Se já temos objetos, vídeos, fotos e até comida feitos a partir de dados, por que não fazer arte desta forma também? A partir do dia 26 de março, o centro cultural Futuros – Arte e Tecnologia recebe a segunda edição da exposição Existência Numérica – Emergências, que reúne artistas brasileiros e estrangeiros que utilizam dados como meio de criação para realizar uma análise visual de questões contemporâneas da sociedade, como as mudanças climáticas, as questões identitárias e a valorização da ciência.
Com curadoria de Barbara Castro, Doris Kosminsky e Luiz Ludwig, a mostra, que em 2018 atraiu mais de 25 mil visitantes, aborda temas emergenciais que estão na pauta dos debates na atualidade, entre os quais as mudanças climáticas, as questões identitárias e a valorização da ciência.
Serão 11 obras criadas a partir dos pontos de vista dos nove artistas e/ou coletivos, desde aqueles que empregam tecnologias sofisticadas e grande volume de dados, aos mais focados em uma crítica social. Ainda no dia 27 de março, o espaço abriga um seminário com a presença dos artistas participantes. Existência Numérica – Emergências tem patrocínio da Oi e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, e apoio cultural do Oi Futuro.
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Esta é a segunda edição da exposição. Na edição de estreia, os curadores desejavam apresentar ao público o que era a visualização artística de dados, nesta edição a equipe focou em trazer a arte baseada em dados de uma forma mais abrangente. Por outro lado, esta curadoria tem um eixo temático mais delineado. As questões socioambientais das obras selecionadas evidenciam como artistas utilizam os dados para realizar questionamentos e reflexões mais densas do que o uso tecnológico, estratégico e corporativo no qual costumam estar associados.
“Estamos muito entusiasmados em receber esta nova edição de ‘Existência Numérica – Emergências’, que une a arte e a tecnologia de maneira muito orgânica, abordando diversos temas relevantes e contemporâneos. O Futuros – Arte e Tecnologia é um palco para as grandes reflexões apresentadas na mostra, como a questão das fake news e a importância da ciência, e as atrações com videoinstalações, animações, coleção de fotos, obras interativas e tantos outros destaques provocam essas discussões de maneira lúdica e atrativa para o público”, destaca Victor D’Almeida, gerente de cultura do instituto Oi Futuro.
AS OBRAS DE ‘EXISTÊNCIA NUMÉRICA’
Entre os destaques desta segunda edição, está a participação do físico hungáro Albert-László Barabási, reconhecido como o “Papa” da rede de dados, que aplica sua experiência em big data e ciência de redes para transformar pesquisas em arte. O artista virá ao Brasil para o seminário e apresenta três obras na mostra, entre elas, “Fake News”, uma animação 3D generativa, baseada nos dados do Observatório de Notícias Falsas do Network Science Institute, em Boston, Estados Unidos, que revelou os 12 perfis entre 200.000 que desempenharam papel crucial na disseminação das notícias falsas durante o lançamento da vacina contra a Covid-19 na plataforma X (ex-Twitter). Um linho bordado é o formato utilizado em “Emergências”, obra na qual o artista usa dados de ligações de telefones celulares em situações de emergência para rastrear a conexão das reações humanas em uma série de eventos ameaçadores à vida. Já em “150 anos de Nature”, uma homenagem à mais antiga e importante publicação de ciência, Barabási faz uma análise baseada em dados de toda a história da revista, mapeando a extensa rede de cocitação que conecta os 88.000 artigos publicados desde 1900.
A designer italiana Giorgia Lupi, defensora do humanismo de dados, traz para a exposição Existência Numérica – Emergências a instalação “A Sala de Mudanças”. Realizada no período em que a artista atuava no estúdio Accurat, a obra é uma ‘tapeçaria de dados’ com cerca de vinte metros de comprimento, que ilustra como múltiplos aspectos do nosso ambiente mudaram nos últimos séculos e como ainda estão em processo e, provavelmente, continuarão se transformando. Por meio da repetição de módulos visuais e da combinação de diversas fontes de dados que retratam o mundo tanto de uma perspectiva global quanto local, a instalação traz a possibilidade de observar as transformações que envolvem o planeta, os humanos e demais seres vivos ao longo da Era do Antropoceno.
Mimi Ọnụọha, artista nigero-americana que questiona e expõe as lógicas contraditórias do progresso tecnológico, traz a instalação “Nós Agregados 3.0”, uma coleção de fotos do arquivo pessoal de sua família – nunca publicadas online – ao lado de imagens que algoritmos de pesquisa reversa de imagem do Google categorizam como semelhantes às fotos do arquivo. Um vídeo com rolagem infinita aponta as coleções infinitas de dados capturados por empresas de tecnologia do Vale do Silício e as imagens evidenciam a ferocidade do ato de classificação social.
Na contramão da visualização de dados que utilizam símbolos para representar significados, o austríaco Dietmar Offenhuber traz a instalação “Rastros de Poluição”, que demonstra a poluição do ar. A obra chama a atenção para os resíduos de poeira nas superfícies da cidade e foram retratadas através do grafite reverso realizado em espaço público, tornando visível a poluição acumulada ao removê-la parcialmente.
Ainda sob a temática das questões atmosféricas, em uma abordagem sobre o impacto que tais condições podem causar na origem de diversos problemas de saúde, os pesquisadores Doris Kosminsky, que faz parte do conselho curatorial da exposição, ao lado de Claudio Esperança e Ximena Illarramendi, utilizam os dados do projeto Amplia Saúde, desenvolvido pela UFRJ e Fiocruz, para a produção da obra “Gestagrama, paisagem da desigualdade”. A obra apresenta a poluição atmosférica como uma das causas de baixo peso de bebês brasileiros ao nascer. Um vídeo randômico vai permitir a visualização dos dados de 400 municípios, em uma paisagem que busca estimular uma reflexão ampla sobre as desigualdades vividas no gestar e no nascer.
Projeto do português Pedro Miguel Cruz em parceria com a americana Chloe Hudson Prock, a obra “A Tempestade Perfeita” é uma instalação que usa o furacão como metáfora da sensação de ameaça iminente. O artista deseja que o público visualize a ligação entre os sistemas capitalistas e a mudança climática. A obra visualiza o contraste entre as emissões de gás carbônico e o índice de risco climático em diversos países, levando o público a uma reflexão sobre a dependência de combustíveis fósseis.
A crítica também está presente na obra inédita “Nortitude”, do designer brasileiro Luiz Ludwig, curador da mostra, que traz um desdobramento de sua pesquisa de doutorado. A obra aborda a trajetória que os dados fazem até que uma pessoa possa acessar um site e explora o fato que a maior parte das páginas acessadas pelos brasileiros estão hospedadas em servidores no exterior, em sua maioria no hemisfério norte, reforçando a continuidade do colonialismo, agora de forma digital. Através de uma tela touch, o visitante vai digitar um endereço na internet e descobrir onde estes dados estão armazenados.
O estudo de um grupo de antropólogos brasileiros do Museu Nacional e de pesquisadores de visualização de dados da Universidade de Potsdam estará demonstrado em “Emaranhados do Xingú”, uma videoinstalação interativa que mostra como as relações que as comunidades indígenas observam com seus objetos, lugares e ritos se diferenciam profundamente das que são estabelecidas pelos habitantes de comunidades urbanas. Os pesquisadores trabalharam junto a comunidades do Alto Xingú, identificando o entrelaçamento entre peças, mitos e entes espirituais na formação e modos de vida dessas populações. Nesta obra, os visitantes podem navegar em um diagrama interativo que vai reproduzindo vídeos sobre os conceitos selecionados.
O Brasil também está presente na obra “Mata”, da artista e curadora da mostra Barbara Castro, em uma visualização artística que utiliza um algoritmo para representação de dados de desmatamento na Amazônia Legal de 1988 a 2022. Os padrões matemáticos presentes nos algoritmos remetem às árvores e aos pulmões, em uma proposta interativa que convida o visitante a sincronizar sua respiração com a animação. Cada ano é um ciclo de respiração que se torna mais curto e menor de acordo com os dados da taxa anual de desmatamento disponibilizados pelo Governo Federal no projeto PRODES – Amazônia.
Existência Numérica – Emergências
Local: Futuros – Arte e Tecnologia
Período: de 27 de março a 23 de junho
Endereço: R. Dois de Dezembro, 63 – Flamengo, Rio de Janeiro
Horário de funcionamento: de quarta a domingo – 11h às 20h
Seminário – dia 27 de março
de 10h às 17h
Com a presença de Albert-László Barabási, Pedro Miguel Cruz, Chloe Hudson Prock, Dietmar Offenhuber, Fidel Thomet, Thiago Costa, amalui Mehinako, Barbara Castro, Doris Kosminsky e Luiz Ludwig
Inscrições para o seminário presencial no Futuros – Arte e Tecnologia
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